Memórias, embora seletivas, nos trazem o lado bom do que vivemos. Mas também nos mostram, muitas vezes, o que não queremos lembrar, inclusive dos traumas sofridos, dos problemas tidos e de más lembranças, como por exemplo, no amor. Os dois lados – o bom e o ruim – estão juntos, quase que caminhando de mãos dadas.
E se pudéssemos lembrar só do bom? Nossa vida, neste caso, seria recheada de doces e bons momentos, desde o enlevo do amor ao aproveitamento da companhia dos amigos, dos colegas, os destaques na escola, etc. etc. Teríamos, então, na lembrança só o lado cor de rosa da vida. O cinza e o negro ficariam de fora, não recalcados, objeto de análise psicanalítica, mas em um mecanismo que não nos faria lembrar mais.
Seria bom? Eu não sei dizer. Mas os cientistas estão trabalhando neste sentido. Agora mesmo, publicações científicas estão noticiando estudo feito por pesquisadores argentinos – sim, argentinos! – que já conseguiram, em experiência com ratos, apagar a parte má da memória deles, deixando só o róseo, que foi considerado bom. É um primeiro passo, dizem, no sentido de que a pesquisa se expanda e chegue aos humanos.
Se levada adiante e obtiver sucesso, dentro de alguns anos mais poderemos ir ao médico ou a um especialistas – lembram do filme em que Robin Williams editava a memória de quem já havia morrido, tirando delas o que podia ser condenável? – e ele vai fazer com que, ao sairmos do seu consultório ou laboratório só tenhamos as boas memórias. As más serão todas apagadas.
Não duvido que cheguemos a isso. Mas se chegar ainda no meu tempo de vida, acho que não vou querer mudar nada do que lembro. Os bons momentos são ótimos, mas os maus momentos, embora à s vezes dolorosos, também fazem parte de minha vida. E não tê-los, no meu entender, seria como uma fuga, ela sim, passível de análise e terapia.
Mas se quero todas as minhas lembranças, aposto que terá gente – e não serão poucos – que alegremente acorreriam aos locais das boas memórias. Seria quase que como no caso de Blade Runner, em que Rachael (Sean Young) tem memórias implantadas. Ou então, como em Total Recall, quando sobrepõe uma memória falsa à verdadeira do protagonista, o fortão Arnoldo Schwarzneger. Nos dois casos, nada é real, nem o bom, nem o mau.
Se a pesquisa for vitoriosa – depois dos ratos vem um longo caminho – as memórias serão, então, seletivas, mostrando uma parte da vida, uma parte do real. Mas uma parte dele será perdida. O que você acha? Aceitaria apagar as más memórias, ficando só com as boas?
A propósito do tema memória, recordação, prazer ou sofrimento, descobri duas frases que, no meu entender, são muito apropriadas para a ocasião. Confira-as e dê sua opinião:
“A dor é inevitável. O sofrimento é opcional…”. Carlos Drummond de Andrade, poeta brasileiro.
“O valor das coisas não está no tempo que elas duram, mas na intensidade com que acontecem. Por isso existem momentos inesquecíveis, coisas inexplicáveis e pessoas incomparáveis”. Fernando Sabino, escritor brasileiro.
E que todos nós tenhamos, com ótimas memórias, um excelente final de semana.
19 Respostas
Essas duas última frases, Lino, dos meus conterrâneos preferidos, são perfeitas e dizem tudo.
Bjao e otima semana.
Depois destas frases até esqueci o que ia comentar…
Bom fds,LINO!!
Ficou massa o texto, e essas duas frases fecharam muito bem o post…
E tem mais meu grande amigo Lino. Os erros e lembranças ruÃns geralmente nos trazem grandes aprendizados para a vida. Talvez se apagássemos as memórias ruins poderÃamos cometer no futuro os mesmos erros do passado. Quem sabe, não é?
Parabéns pelo blog. Apesar de não comentar com freqüência leio todos os seus posts através do RSS.
Forte abraço.
Lino… tenho duas lembranças que gostaria de apagar da minha memória:
– meu pai chegando bêbedo e carregado pelos amigos… eu tinha mais ou menos cinco anos.
– o dia em que sofri um abuso sexual… eu tinha maios ou menos dez para onze anos.
Todo o resto de ruim que possa ter acontecido me trouxeram grande aprendizado, mas esses dois ainda não consegui superar.
Um forte abraço.
“Lembrar é fácil para quem tem memória. Esquecer é difÃcil para quem tem coração.”
William Shakespeare
Poxa ia ser ótimo apagar as memórias tristes, seriamos mais felizes em esquecer coisas q nos deixam pra baixo. Me tira uma duvida, essa frase q vc fala e intitula sendo do Fernando Sabino eu conhecia como Fernando Pessoa.
Big Beijos
Há tantas coisas que eu gostaria que não tivessem acontecido.Apagá-las da memória não mudaria a verdade. Como esquecer a perda de meu filho? Não há poder capaz disso.
Li, no blog da Leticia Coelho um lindo poema, do qual achei interessante esta parte:
“… as pessoas com quem você mais se importa na vida são tomadas de você muito depressa – por isso, sempre devemos deixar as pessoas que amamos com palavras amorosas, pode ser a ultima vez que as vejamos.”
Então, o que precisa ser apadada é a violência, e não nossas lembranças.
abraço, garoto
muuuito legal seu blog…
vamos nos linkar?? :)))
Mas, se o que nos faz crescer são os nossos erros, porque irÃamos apagá-los? Outro dia eu estava pensando nisso enquanto assistia Brilho Eterno de Uma Mente Sem Lembranças e por mais que algo me tenha doido, eu não quero apagar de jeito nenhum!
É como diz o rei mesmo: Se chorei ou se sorri…
Abraços.
lino, acho que eu tb ñ ia querer ter minhas memórias ruins apagadas ñ. acho que elas têm uma importância na vida
outro filme que fala desse tema, + especificamente sobre as memórias amorosas ruins é “brilho eterno de uma mente s/ lembranças”. vc já viu? se ñ, veja, pq é mt bom e vale a pena!
Tanto as memórias boas quanto as ruins fazem parte da nossa vida. Apagá-las nos tornariam seres incompletos, penso eu, já que elas nos moldam, é o que faz nós sermos o que somos.
Pelo menos poderÃamos apagar algumas coisas que não valem a pena ser lembradas e não necessaramente dolorosas.Eu ia aderir.
Mesmo não gostando, aprendemos muito com os momentos tristes, complicados. Como Ãamos aprender algo sem lembrar das experiências vividas? Beijos.
Acredito eu que isso serviria muito bem para pessoas que tiveram experiencias muito dolorosas, o caso daquela moça que foi aprisionada e abusado pelo pai durante 24 anos, é um bom exemplo onde isso poderia ser empregado, já para pessoas com experiencias normais, com seus altos e baixos, já não seria algo assim tão necessario.
Lino, já mudei de endereço, vc sabia?
bjs
As frases completam perfeitamente o texto. E fico com a de Drummond. Sofrer é opcional. Nossa mente já seleciona o que deverÃamos lembrar.
Eu tenho tão poucas memórias…E quando lembro na maioria não são tão boas assim.
Boa semana.
Muito interessante teu blog! =)
Lino:
Amei seu texto! Estes últimos meses estive adoentada (descobri que tenho fibromialgia) e as memórias invadem a nossa alma. Boas e más. Só agora que melhorei as memórias más me recompensam: não quero mais tristeza e desolação. Dou a volta por cima e valorizo meus momentos atuais.
Bjus para vc! Boa semana!
Eu me lembrei de outra obra do Philip K. Dick: o Paycheck, traduzido em Portugal como “Pago para Esquecer”.
O interessante da ficção cientÃfica é que nos faz pensarmos nisso mesmo: será que é justo eliminarmos parte da nossa memória? Como aquele haitiano no Heroes que tem esse poder. E até onde iria o limite de tal “capacidade”? Quais seriam os limites éticos? Porque, para mim, como me parece que é para você, há um limite para as coisas: e, de fato, se eu não tiver o meu passado, as minhas memórias, as minhas tristezas que me ajudarão a valorizar as minhas alegrias, as minhas aprendizagens feitas a base dos meus erros, se não tiver essas coisas: o que me sobra? O que me faz ser quem eu sou?
Além do mais, há muita coisa que deve ser pensada: o que é exatamente essa memória dos ratos? Como é que ela foi medida, analisada, limitada? Será que a memória de um animal cujo código genético e, portanto, funcionamento cerebral é tão diferente do nosso complexo cérebro humano, pode ser-nos comparado? Para já não dizer que as nossas memórias se interrelacionam: perder uma pode impedir perder as suas consequentes.
Cada coisa bem mais interessante a ser estudada, e os cientistas esbanjam dinheiros e apoios financeiros para quê mesmo?