O brote, pão que se transformou símbolo cultural do Espírito Santo e da cultura pomerana que nele se instalou, foi criado por imigrantes pomeranos que no século XIX se instalaram na região de Santa Maria de Jetibá e Laranja da Terra, no Espírito Santo.
Apesar de ser amplamente conhecido e consumido no Estado, não é fácil achar uma receita que explicite o processo de sua fabricação. Sim, elas existem, mas quase sempre são feitas por pomeranos e as medidas dos ingredientes não têm um padrão. Há, ainda, outro aspecto: o brote é feito em fornadas de vários pães, o que, para um padeiro caseiro e amador, é difícil de reproduzir.
Em casa e com um forno caseiro, é difícil reproduzir a quantidade de pães assados, tradicionalmente, nos fornos tipo iglu, feitos pelos próprios pomeranos, que produzem fornadas de pães para o próprio consumo e, muitas vezes, para vender em feiras locais e orgânicas. A receita que aqui encontrarão é uma adaptação da original, feita tomando por base os percentuais de padeiro e trazendo-a para a realidade de uma casa onde se produz apenas um pão por semana, para o consumo de um casal.

RECEITA ADAPTADA, PADRÃO ORIGINAL
Mesmo com a adaptação, a receita segue o padrão original usando os ingredientes que se tem à mão e substituindo a farinha de trigo, a que os imigrantes não tinham acesso, por fubá, mandioca, inhame, batata-doce ou cará, que plantavam e colhiam, usando para o alimento do dia a dia e para a produção dos pães, que substituiu o brod, o pão a que estavam acostumados na sua origem, a Pomerânia alemã.
Hoje, com a facilidade de se obter a farinha de trigo, muitas das versões do brote são feitas com ela, dividida na mesma proporção por farinha de milho, o nosso tradicional fubá. Originalmente, o fubá usado pelos pomeranos era feito em moinho de pedra e com milho branco. Após a moagem, lembrava a farinha de trigo rústica que tinham em sua origem.
A receita resultará em um pão de pouco mais de mil gramas, que será bem denso e com gosto acentuado dos ingredientes, sobretudo se forem usados os tubérculos listados. Alternativamente, usando os mesmos percentuais, ela pode ser feita com apenas um dos tubérculos ou apenas um tubérculo. Outra alternativa é acrescentar banana à massa, integrando-a e, após a formatação, cobri-la com rodelas de banana. O pão, neste caso, fica mais adocicado e com um ótimo gosto.
Lembrem-se que a receita abaixo reflete a minha realidade, que vivo à beira-mar, com temperaturas mais quentes que na região de montanhas onde o pão foi criado. Considere a temperatura ambiente como um dos fatores no desenvolvimento da massa. Um ponto a mais é que uso um forno comum, integrado a um fogão que já está bem rodado, significando que a sua tecnologia não é, nem de perto, a última. O forno, como sabemos, também influi no resultado final do pão. Então, olho nele!

O PÃO DOS CAPIXABA
Graças à imigração, o Espírito Santo é um Estado multifacetado culturalmente. Aqui, se misturaram os povos originários com portugueses, escravos, italianos, alemães, pomeranos, poloneses e outras etnias, em maior ou menor escala.
Essa mistura gerou uma cultura rica, com representações culturais diferentes que destacam o que esses imigrantes trouxeram, aqui criaram ou adaptaram, dando a elas novo aspecto e as tornando capixabas. É o caso da polenta, do brote – chamado também de pão pomerano – e do anholini, dentre outros.
A imigração alemã para o Espírito Santo se deu a partir de 1846, quando aqui chegaram cerca de 4 mil alemães, a maioria vindo da Pomerânia. Uma das características desses imigrantes é que mantiveram suas tradições, não sendo diferente com a gastronomia. Esta, no entanto, foi impactada pelo meio em que passou a viver, não lhes oferecendo o que tinham em sua terra de origem.
COMO O BROTE FOI CRIADO
Foi o caso do brote, conhecido também como pão pomerano, que acabou virando ícone cultural do Espírito Santo. Ele nasceu da adaptação dos novos colonos ao meio. Sem farinha de trigo e, muito menos, da farinha de centeio, o ingrediente básico do pão que consumiam e estavam acostumados, tiveram de improvisar para ter esse tipo de alimento.
O trigo e o centeio foram substituídos pela farinha de milho, o fubá. A ela, para se ter o pão, foram adicionadas, juntos ou separados, a mandioca, o inhame e o cará. Em alguns casos, também a batata foi – e continua sendo – usada na produção do pão predominante nas áreas de colonização pomerana, nos municípios de Santa Maria de Jetibá, Laranja da Terra e Vila Pavão.
A transição, forçada, não foi fácil e, por um tempo, os pomeranos foram chamados de “broteiros” devido ao que, para outros habitantes de sua região, era um produto estranho. Eles se sentiam envergonhados de consumir o brote publicamente. Hoje, eles reconhecem nessa forte tradição um caráter único no mundo, já que não foi preservada nem mesmo em seu país de origem. E ao invés de se envergonharem, os descendentes pomeranos, sobretudo os mais jovens, passaram a ter orgulho da sua identidade cultural e têm o brote como símbolo de resistência cultural.
Se gerou escárnio no início, aos poucos o brote foi ganhando reconhecimento e passou a ser consumido não só pelos imigrantes e seus descendentes, que ainda o servem às suas famílias. Ele alcançou outros lares, passou a ser produzido e comercializado em várias regiões do Estado e tornou-se um produto apreciado, ganhando o caráter de uma especialidade capixaba.

INGREDIENTES LOCAIS
Mas como surgiu o brote?
Sem os ingredientes básicos do que formava sua dieta, os novos colonos tiveram de se adaptar e, aos poucos, foram descobrindo os tubérculos e outros alimentos mais comuns no Brasil. O milho era um deles e, para melhor aproveitá-lo, acabaram construindo seus próprios moinhos, o que os levou a beneficiar o milho, fazendo a farinha fina que conhecemos como fubá, que também é usada para a polenta.
Ao fubá, eles acabaram juntando os tubérculos, que fermentam melhor que o milho e que, fruto do acerto e erro, acabaram lhes dando um alimento rico, fácil de produzir e rico do ponto de vista alimentar. O pão tradicional, na inexistência de farinha de trigo e de farinha de centeio – que não conseguiram adaptar ao clima local – ficou sendo o brote. Tinha nascido o que hoje é conhecido como pão pomerano.
Hoje, o brote tem três versões, uma delas fruto da evolução da distribuição da farinha de trigo entre os brasileiros. Essa versão usa a farinha de trigo e o milho, juntando-a e produzindo um pão macio, cheiroso e muito saboroso. A segunda versão não usa trigo, que é substituído por um ou mais tubérculos – mandioca, inhame, cará ou batata-doce. Elas são raladas e incorporadas à massa, depois de o fubá ter sido escaldado ou transformado em polenta.
A terceira versão, que é feita tanto com os ingredientes da primeira quanto da segunda, ganha um ingrediente extra, a banana. Tradicionalmente, ela é cortada em rodelas e adicionada à massa já quando formatada, sendo por ela envolvida, deixada para fermentar e levada ao forno. Antes, no entanto, a massa é pincelada com uma mistura de ovo batido, o que ajuda na cor mais escura do pão. Tradicionalmente, ele é assado em fornos tipo iglu, com o uso de lenha.

MESMO PÃO, VERSÕES DIFERENTES
As versões sem banana são chamadas de Mijabroud, denotando a existência do milho na sua composição. A que ganha o acréscimo de banana é denominada Bananabroud. O “broud” pomerano foi, mais tarde, aportuguesado para brote, como se tornou conhecido no Espírito Santo. Pães muito parecidos com o brote são também produzidos em Santa Catarina, Rio Grande e Rondônia, onde também existem colônias pomeranas.
Hoje, os pomeranos compõem uma boa parte da população do Espírito Santo. Apesar das adaptações feitas por causa da nova terra, eles mantêm suas tradições únicas e acabaram se tornando referência mundial devido à preservação de sua língua e cultura, que não mais existem na antiga origem deles.
A RECEITA E SEUS DETALHES
Por fim, aqui vai a receita. Espero que a aproveitem e, se e quando a fizerem, me marquem no Instagram – @linoresende.
Que tenham sucesso com o brote, o pão pomerano dos capixabas.
Antes de iniciar a receita determine o peso da quantidade de fubá que irá usar. Por exemplo, 300 gramas de fubá que, juntado aos outros ingredientes, dará um pão de pouco mais de 1 quilo. A partir daí, vá usando os percentuais para determinar as quantidades dos outros ingredientes.
É simples, prático e funcione. Mas lembre-se, fazer pão não é um processo matemático. Ajuste a massa se precisar, assim como o tempo de fermentação e de cozimento.
INGREDIENTES
100% de farinha (fubá) de milho branco ou amarelo
65% de hidratação – água ou leite
30% de inhame
30% de batata doce
10% de mandioca
10% de banha de porco
0,5% de açúcar
1% de fermento biológico seco
1 colher de café de sal
1 colher de chá de amido
1 ovo para pincelar o pão
INSTRUÇÕES
1 – Descasque e rale a mandioca, a batata doce e o inhame. Ferva a água e coloque sobre os tubérculos ralados.
2 – Vá amassando e mexendo nos tubérculos e, aos poucos, vá adicionando o açúcar mascavo, o óleo, o sal e o fermento.
3 – Adicione a farinha de milho branca ou de milho amarelo e misture até obter uma massa lisa e homogênea. Cubra a vasilha e deixe a massa descansar por 30 minutos ou até que ela comece a rachar.
4 – Pré-aqueça o forno a 300º C por pelo menos 30 minutos.
4 – Modele a massa em forma de bola, pincele com a mistura de ovo com amido
5 – Coloque no forno e deixe assar por 60 minutos.
OBSERVAÇÕES
1 – Esta é a receita tradicional, mas em alguns casos, um dos tubérculos pode ser substituído pelo cará.
2 – Algumas receitas usam apenas o fubá e um dos tubérculos, como o inhame.
2 – Na região pomerana, os pães são assados em forno do tipo iglu. Normalmente, a família faz vários dele. Eles também são vendidos para terceiros, inclusive nas feiras orgânicas de Vitória e Vila Velha.
3 – Os percentuais de padeiro da receita tomaram como base um pão com 1,5 kg de farinha de milho branco.
4 – Há outra versão da receita que usa o fubá de milho amarelo, que apenas muda o aspecto do pão, mas não afeta a receita. Hoje, o milho amarelo é mais comum nas receitas que o branco.
5 – Existe, ainda, uma receita que inclui banana amassada na massa – 40% da massa – e cobertura com banana em rodelas, também comum na região pomerana do Espírito Santo.