PESSOAS, PROBLEMAS E INSTITUIÇÕES

No Brasil – e, talvez, no mundo – temos a tendência de misturar o comportamento individual com a instituição em que uma pessoa trabalha ou está ligada. Se alguém tem um problema, ele passa a ser da instituição, que é atingida pelo erro individual. E isso ocorre tanto na vida privada, quanto na atividade pública. Nesta, por sinal, o comportamento individual pode ser mais danoso, já que trata-se de dinheiro público, que é de todos e que deve ser sempre bem gerido. No âmbito privado, no mais das vezes, os atingidos são apenas os participantes da instituição que entra no foco.

Um dos campos mais sensíveis no Brasil são das instituições religiosas. Elas estão sempre em foco, principalmente as denominações evangélicas, que tem sido, ao longo dos anos, assunto da mídia. Qualquer problema em uma denominação religiosa ganha maior dimensão do que em outro tipo de instituição civil e, muitas vezes, até© mais do que quando o problema ocorre com um órgão público. Temos vários casos no país que comprovam isso e, agora, estamos diante de um outro, ocorrido no Espírito Santo.

A Igreja Maranata, uma denominação evangélica hoje presente em todo o Brasil e em vários países do mundo, passa por um turbilhão, com um dos seus dirigentes e alguns membros  – afastados de suas funções na cúpula da igreja e do próprio pastorado – sendo acusados de serem autores de um desvio milionário de recursos da igreja, advindos das contribuições dos fieis através do recolhimento do dízimo. Se você nunca ouviu falar da Maranata, não se surpreenda. A igreja não faz proselitismo através de rádio, televisão, shows ou qualquer outro tipo de espetáculo, não remunerando pastores, que são voluntários. Também não promete milagres, que vai curar uma determinada pessoa ou fazer com que ela melhore de vida, adquirindo mais bens materiais. Pode-se dizer que a Maranata é low profile.

Com um forte sentido de comunidade entre os seus membros, a Maranata conseguiu, em pouco mais de 50 anos de fundação, uma expansão vertiginosa. A confissão nasceu em Vila Velha e é ainda no município que está o seu comando nacional e internacional. Um órgão da igreja, o Presbitério, équa faz a gestão e, nele, existe uma Comissão que é quem, no final, dá a última palavra sobre a gestão das mais de 4,9 mil igrejas no Brasil e também nas questões da doutrina da fé. Todas as diretrizes saem do Presbitério depois de aprovadas pela Comissão Executiva e, a partir daí, espalha-se por toda a igreja, que internamente usa os mais sofisticados equipamentos tecnológicos.

Pois é a instituição Maranata que está atualmente sob o foco da mídia. A razão équa um dos integrantes desta Comissão Executiva e outros membros da Igreja foram acusados de várias irregularidades, incluindo a apropriação indébita de recursos do dízimo, contribuição feita pelos fieis. O que aconteceu? Recebida a denúncia a Igreja Maranata prontamente afastou os acusados de suas funções e promoveu uma investigação que, no final, efetivamente comprovou a existência de desvios, quantificando-o em R$ 2,1 milhões e agora está cobrando a importância dos afastados mediante ação judicial. Fez o caminho que, no meu entender, é correto: afastou os envolvidos, apurou e propôs ação para recuperar os recursos. Além disso, tomou a iniciativa de propor todas as medidas fiscais e criminais contra os afastados.

A questão, levada a público por dissidentes da igreja, que tinham a pretensão de chegar ao poder máximo nela e não conseguiram, transformou-se no assunto principal da mídia capixaba nos últimos dias. Nela, o foco não são as pessoas responsáveis pelo desvio, mas a própria igreja, enquanto instituição. As manchetes, os textos e as abordagens sugerem que o problema é com a Maranata e que ela é a responsável pelo que está acontecendo. De vítima que foi de alguém que usou a fé em benefício próprio, a igreja passou a ser a vilã£, que não sabe administrar o dinheiro dos fieis e que permite que seus integrantes pratiquem várias irregularidades. É uma clara substituição de papéis, com a instituição assumindo o problema que era e é de quem foi responsável pelo desvio de dinheiro e de conduta. Centenas de milhares de pessoas estão sendo penalizadas por coisas que apenas poucos – trás ou quatro, na verdade – fizeram.

Com o foco, a igreja acabou tornando-se conhecida. E da pior maneira possível. Todo o trabalho feito, que era discreto e sério, foi arranhado e colocado sob suspeita. Repetindo, é uma clara inversão de papéis, com a instituição sendo punida por erro de seus membros. E muito pior équa, no universo de fieis, estatisticamente os que foram desonestos ou erraram são irrelevantes. Mas parece que todos na igreja são responsáveis. Do meu ponto de vista, é uma generalização errada, com a ação de poucos sendo atribuídas ao todo em uma lógica que, se olharmos bem, desafia a própria lógica.

Ah, uma consideração final: não faço parte da Igreja Maranata, não sou evangélico, tampouco religioso. Mas, mesmo assim, achei que devia falar do assunto, colocando – sob o meu ponto de vista – as coisas nos seus devidos lugares.

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