AS HISTÓRIAS DO COTIDIANO

O que se pode dar de presente de aniversário a alguém que já tem tudo? A pergunta é apenas retórica, como se poderia imaginar, já que, na verdade, ninguém tem tudo. Mesmo assim, foi a questão que uma amiga me apresentou, em um encontro casual na hora do almoço, e a relacionou com a escolha de um presente de aniversário para uma amiga sua, muito chegada, mas que ela considerava difícil de presentear, pelo menos com os presentes mais comuns – roupa, perfume, etc. O que fazer ou como fazer neste caso? Pessoalmente, sou péssimo para escolher coisas para terceiros, principalmente presentes de aniversários e, quando tenho de o fazer, sempre busco ajuda.

No caso, aqui, não se trata de uma escolha minha, mas da experiência desta minha amiga. Ela me contava, então, que diante do dilema de escolher um presente, adotou, primeiro, a postura de perguntar a outros amigos da pessoa a ser presenteada o que poderia dar a ela. As abordagens a nada levaram, pois também elas ficaram em dúvida, não ajudando a resolver a questão. Aliás, segundo o relato, acabaram mesmo por complicá-la ainda um pouco mais. O que fazer, então? perguntou. E eu, apenas fiquei ouvindo, sem responder.

A segunda abordagem foi mais direta e esta minha amiga, vamos chamá-la aqui de Maria, mantendo a privacidade, acabou ligando para a residência de quem queria presentear. Não, não falou com a futura aniversariante, não, perguntando-a o que gostaria de ganhar. Fez uma abordagem mais discreta e conversou com a empregada da casa, que está há anos com a família, conhecendo bem seus hábitos e, principalmente, os da aniversariantes. Não vou reproduzir os diálogos, mas eles foram bem interessantes, o quer minha amiga reproduziu rindo muito. Um deles, foi para o lado de o presente ser uma roupa e a empregada emendou:

– Roupa, não, pois a dona Alice tem roupas que dão para encher duas lojas!

É, refletiu minha amiga. Era verdade. Então, descartou a roupa. Perfume? Também não, disse a empregada. Calçado? Desaconselhável, disse ela. O que fazer, então?

– A dona Alice, como você sabe, gosta muito de flores, tem a casa sempre enfeitada com vasos e com flores, esclareceu a empregada.

E minha amiga, que se considera bem próxima de quem iria presentear, disse ter pensado e concluído que sim, essa era uma boa abordagem para o presente, já que teria um significado de lembrança, sem ser dispendioso e na certa iria agradar a presenteada. E foi, no final segundo seu próprio relato, o que fez: Foi à floricultura mais próxima do seu trabalho, escolheu um belo arranjo, pediu para que fosse colocado em um bonito vaso e combinou de ser entregue à aniversariante.

– E ela gostou? Perguntei curioso. Minha amiga ainda não tinha, depois do aniversário, se encontrado com ela. Mas, disse-me, baseando-se no que a empregada lhe havia dito e no seu próprio conhecimento e proximidade com a aniversariante, tinha certeza que sim, ela tinha gostado. Completada a história, ainda rindo muito, minha amiga seguiu para o trabalho e eu voltei ao que ia fazer, que era almoçar. Depois, fiquei pensando sobre a questão e de como as pequenas coisas do cotidiano acabam por influenciar as nossas vidas.

Lembrei-me, então, de um livro lido há algum tempo, A invenção do cotidiano, de Michel de Certeau, em que mostra como os pequenos gestos, pequenas ações, são determinantes para a formação de nossas vidas. Relacionei o aniversário à leitura e fiquei refletindo o quanto isso é verdade e que nossas vidas, de uma forma geral, não são marcadas pelos grandes, mas por pequenos gestos, como a escolha de um presente para um amigo. Ele é simbólico do que fazemos, embutindo muito mais o valor sentimental do que monetário. E geralmente é ao símbolo que nos apegamos, não à matéria.

A junção ou soma dos vários pequenos gestos, que vão de uma gentileza de um “bom dia” pela manhã à reafirmar a amizade com um presente simbólico, como mandar flores, é que forma e dão sentido ao que somos e que fazemos. Nada de grandes gestos. Apenas pequenas coisas que vão se somando e formando o todo de nossa existência, preenchendo-a e dando-lhe o sentido que nos leva a novos passos, a abertura de novos caminhos e acaba, como no caso do presente, mostrando que o pequeno gesto é muito significativo.

Esta não é a minha história, mas apenas mais uma das milhares, milhões mesmo, que ocorrem todos os dias e que, se quisermos, podemos observar. E a sua, qual é? O que você observou ou vivenciou como pequeno gesto do cotidiano? Conte-a aqui!

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